Pandemia e o discurso de ódio na internet
Em 30 de junho de 2017, o parlamento alemão aprovou o projeto de lei que prevê multas e sanções para as redes sociais que não retiram, com brevidade, conteúdo relativo aos discursos de ódio e notícias falsas. A medida impõe novos conceitos de liberdade de expressão, já que possui disposições legislativas contra os discursos de ódio contra as minorias. Felizmente essas medidas tem sido efetivas no combate ao cyberbullying nas escolas e fakenews contra empresas; especialmente aquelas que estão alertas com as politicas de compliance digital.
O dia 1º de janeiro de 2018 marcou o fim do período de transição (vacatio legis) da lei alemã para aperfeiçoar a aplicação da legislação nas redes sociais, mais conhecida como NetzDG (Netzwerkdurchsetzungsgesetz – Lei de Aplicação na Rede, em tradução livre). Em sínese, toda e qualquer plataforma digital com mais de dois milhões de usuários deve implementar formas eficientes e efetivas de apurar denúncias e excluir conteúdo potencialmente ilegal, inclusive cyberbullying. Desta forma, as empresas Facebook, Twitter, Google, YouTube, Snapchat e Instagram são diretamente atingidas pela lei, embora redes profissionais como LinkedIn e Xing estejam expressamente excluídas, assim como o serviço de mensagens WhatsApp.
Em caso de violação, as empresas podem ser multadas em até 50 milhões de euros. O cidadão alemão poderá denunciar violações (notícias falsas ou discursos de ódio) ao Departamento Federal de Justiça da Alemanha (BfJ), que disponibilizou um formulário online.
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Dois casos relacionados à lei já repercutem na mídia. O primeiro caso refere-se à congressista Beatrix von Storch teve suas contas no Twitter e Facebook temporariamente suspensas depois de criticar felicitações de Ano Novo da polícia de Colônia em árabe, fazendo a seguinte observação: “O que diabos está acontecendo neste país? Por que um site oficial da polícia está postando em árabe? Vocês acham que isto irá apaziguar as hordas bárbaras e violentas de homens muçulmanos?”, escreveu Von Storch, política do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). O segundo caso refere-se a revista Titanic, que publicou dia 02/01 um tuíte irônico em árabe, que zombava de Beatrix von Storch, que acusou a polícia de tentar “apaziguar as hordas de homens bárbaros muçulmanos estupradores”. A conta da revista no Twitter foi bloqueada, em razão da lei em vigor.
Temos atualmente os discursos de ódio contra a China. A pandemia do novo Coronavírus gerou um aumento de 900% nas mensagens de ódio contra os chineses (onde a Covid-19 foi detectada pela primeira vez) e a China no Twitter. Muita criminosos digitais usam hashtags racistas, como #Kungflu, #chinesevirus e #communistvirus quando tuíta sobre a pandemia.
A lei nº 9.459 incluiu no artigo 140 do Código Penal brasileiro, que discorre sobre o crime de injúria, que determina medidas punitivas contra crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena é de três anos de reclusão e multa.
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A palavra xenofobia significa aversão, repúdio ao estrangeiro. Entretanto, quando a aversão se torna agressão, a Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, em seu artigo 1º (com a redação determinada pela Lei nº 9.459, de 13 de março de 1997), determina que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Desta forma, xenofobia contra os chineses que estão no Brasil sejam materializadas em práticas de violência, configura-se como delito inafiançável e imprescritível de acordo com a Constituição da República, artigo 5º, inciso XLII).
A internet não é terra sem lei e por isso o compliance digital e os programas antibullying são necessários.
A liberdade de expressão nasceu sob o prisma dos direitos individuais, corroborado pelo conceito de liberdade, introduzido pelos movimentos revolucionários do século XVIII, como liberdade relacionada ao direito de todo indivíduo manifestar o seu pensamento, carregado da noção de individualismo.
A liberdade de manifestação de pensamento e de opinião se manifesta por meio da liberdade de expressão, que compreende duas dimensões distintas: a primeira, a exteriorização de seus valores e crenças intrínsecos, e a segunda, que trata de uma dimensão instrumental: a forma e os instrumentos para a sua exteriorização.
A informação, na realidade, é um poder. Ela tem o poder de influenciar, alterar a sociedade, por isso não pode ser tomada pela simples liberdade individual de informação, constitui-se um verdadeiro direito coletivo à informação.
A liberdade de expressão é o direito contemporâneo que emergiu da Independência Americana e da Revolução Francesa, integrante do plexo dos direitos correspondentes aos direitos civis e políticos, tem como objetivo a inserção de ideias do indivíduo perante o Estado e a sociedade, a partir de sua afirmação e publicação. É certo que a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas necessita ser apreciado e avaliado em conjunto com as demais disposições jurídicas. A liberdade de expressão não poderá ser analisada de forma individualista e deve proteger as vítimas de bullying e cyberbullying, sob pena de ferir o principio da dignidade da pessoa humana, previsto como no artigo 5º, incisos III (não submissão a tortura), VI (inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença), VIII (não privação de direitos por motivo de crença ou convicção), X (inviolabilidade da vida privada, honra e imagem), XI (inviolabilidade de domicílio), XII (inviolabilidade do sigilo de correspondência), XLVII (vedação de penas indignas), XLIX (proteção da integridade do preso), dentre outros dispositivos constitucionais.
O valor contido na dignidade humana como fundamento da República Democrática é absoluto, infestável e irrenunciável, uma das premissas do compliance digital. A despeito de se cogitar uma eventual relativização do direito à dignidade em termos de sua normatização, é importante esclarecer que a DIGNIDADE representa o valor absoluto de cada ser humano, sendo-lhe inerente e independente de qualquer requisito ou condição, tais como raça, cor, religião ou sexo. Por essa razão é importante a implementação de cursos e treinamentos de colaboradores, estagiários, jovens aprendizes, alunos, pais e professores para que esses saibam seus direitos e deveres quando usam ferramentas digitais para fazer cyberbullying e praticar atos ilícitos cíveis e criminais.